sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Ainda sobre o Natal...

É a minha época favorita do ano desde que me lembro de existir. O primeiro Natal que recordo vagamente, creio que teria uns três anos, foi passado na aldeia dos meus avós e a recordação mais forte que tenho é da árvore de Natal em cima do frigorífico. Depois, no ano seguinte, delirei com a minha primeira Barbie, nem conseguia adormecer de tão feliz que estava! Outros natais vieram... eu achava que o Natal dos hospitais era um acontecimento muito importante, existia o mítico anuncio do coelhinho que ia com o Pai Natal ao circo, penduravam-se chocolates no pinheiro que nunca chegavam até dia 24... pensando bem era uma espécie de calendário do advento.
Na escola cantávamos sempre "a todos um bom Natal", ainda não existia a Toys R us, nem outras lojas do género, mas na baixa do Porto havia uma loja de brinquedos maravilhosa, ficava satisfeita só por olhar a montra e de imaginar que um dia aqueles brinquedos seriam meus.
 Tenho tantas memórias especiais do Natal... houve um Natal (teria eu uns seis anos) que éramos tantos que acabamos por dormir quatro numa cama, outros em colchões de campismo e um dos meus tios até de gravata queria dormir! E a meia-noite que nunca mais chegava! Uma vez alguém tocou à campainha e subitamente os presentes apareceram debaixo da árvore, sabia perfeitamente que o Pai Natal não existia, mas naquele momento acreditei...
Agora, com o David e o Pedro o Natal volta a ter aquela inocência das crianças. O Pedro ainda não percebe, mas gosta de ver a luzes, de mexer nas bolas da árvore e nos bonecos do presépio. O David já começa a entender. Não tem medo do Pai Natal, também gosta de pendurar as bolas e de ordenar o presépio de uma maneira peculiar. Ficou encantado com a rena do Norteshopping que fala e não pode ver aletria à frente.
Aguentou até à meia noite para abrir os presentes, o Pedro também, mas estava cheio de sono.
Espero que daqui por muitos anos tenham memórias felizes...tal como eu.
E quanto ao Pai Natal, será que devem acreditar? Será que não? Eu penso que se não podermos sonhar em criança, quando o vamos fazer? E  afinal não estamos propriamente a mentir, São Nicolau existiu, era bondoso, generoso... e é essa a mensagem que lhes quero passar quando descobrirem a verdade. O Pai Natal vive em cada um de nós.




sábado, 23 de dezembro de 2017

"O presépio de lata"

Queridos David e Pedro; 

Inevitavelmente estamos numa época de reflexão, ou porque se aproxima o Natal, ou porque se aproxima o início de um novo ano. 
Os dois últimos meses foram, sem dúvida, os mais desafiadores que já tive a nivel profissional, porque foram os que mais exigiram de mim emocionalmente. Quando vemos tanta miséria, tantos "presépios de lata" (citando a música do Rui Veloso) é impossível ficar indiferente, é impossível não pensarmos no bom que é nascer e crescer numa FAMÍLIA no verdadeiro sentido da palavra! 
E já que eu sou daquelas pessoas que acredita que no Natal o mundo fica um bocadinho melhor, que esse bocadinho chegue aos vários presépios que fui conhecendo, que o sapatinho dessas famílias esteja recheado de paz, de amor, de esperança e de muito afeto. 

Um FELIZ NATAL para todos! 










segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Postais de Natal 2017

Este ano voltei a fazer postais de natal com os mafarricos. O Pedro apenas colaborou com a sua mãozita pintada, mas o David lá foi pintando com os deditos, claro sob a minha orientação. Acho que o resultado ficou bonito e eles gostaram de mexer na tinta.
Deixo algumas fotos e a sugestão!











segunda-feira, 27 de novembro de 2017

As estrelinhas no céu

Hoje perguntaram-me se acreditava nas estrelinhas do céu, eu respondi que sim, não para confortar quem me perguntou, mas porque acredito mesmo. As estrelinhas do céu são feitas de boas memórias, bons sentimentos, boas recordações... e elas são eternas. Sempre que nos lembrarmos de uma boa recordação a estrelinha reluz e conforta o nosso coração.
Sempre que lembrar da tua insistência para que bebesse o leite pela caneca e não pelo biberão, de acordares durante a noite para me levar à casa de banho, de andares comigo ao colo, da minha primeira barbie, das noites de Natal e de quando dormimos quatro numa cama, da minha imposição das insígnias, e daquela vez que me limpaste as lágrimas, a tua estrelinha vai brilhar.
Até já.

terça-feira, 14 de novembro de 2017

O tempo a passar, a mãe a fotografar












 
Um dia no parque, uma cidade nova com direito à primeira viagem de comboio e à famosa tripa. Uma tarde quente de agosto em Ponte de Lima...na praia a foto do verão... Em setembro, um acordar bem disposto e em outubro, a festa da cidade e as diversões. Um queria andar mais e mais e mais, o outro tinha medo. Por fim o deitar, e a minha ansiedade espelhada nos pijamas: está a chegar a época mais bonita do ano! 

sábado, 4 de novembro de 2017

Há o amigo...

Há o amigo que não se esquece de telefonar, mandar mensagem, ou o que quer que seja, aparece porque sabe que por vezes é difícil sair com um bebé pequeno nascido em pleno inverno, e que não desiste quando já são dois, oferece-se para trocar uma fralda e vestir o pijama.
Há o amigo que continua a convidar para jantar, para sair, para ir ao cinema, mesmo sabendo que poderá ouvir um não como resposta. Que aumenta a nossa autoestima, que diz que estamos bonitas e que tem a sensibilidade de não falar que a amiga da tia da sobrinha da namorada do vizinho emagreceu em três dias o que engordou na gravidez.
Há o amigo que não se importa de ir de férias com duas crianças, sabendo à partida que também vai servir de ama, que terá que aguentar birras, choros, vómitos e que terá sempre a toalha suja com areia. Há o amigo que nos leva ao spa porque acha que precisamos de relaxar e de um tempo a sós, que fica com as crianças para que os pais possam jantar sozinhos ou então só porque sim, porque eles têm um lugar no coração. Há o amigo que sabe o nome dos teus filhos, que percorre muitos kms para os ver, conhece os seus gostos, que te pergunta como eles estão e que fica feliz com as suas conquistas.
Porra, tenho muita sorte!!!


domingo, 22 de outubro de 2017

Amanhã...

Amanhã será outro dia. Amanhã tudo irá acontecer; os políticos deixarão de ser corruptos, não haverá fome no mundo, não haverá mais pobreza, guerras, conflitos, ódios... todos terão acesso à Saúde e Educação. Todos conseguirão realizar os seus sonhos. A injustiça acabará, a cobiça também! Amanhã será outro dia. Amanhã a natureza já não chora, porque o Homem respeitá-la-à. Animais abandonados, florestas queimadas; amanhã não saberemos o que isso é. Os povos de todo o mundo estarão unidos como irmãos. Amanhã seremos todos livres... mas só amanhã. 


quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Adeus, verão!

Adeus, Verão! Adeus, noites quentes de luar, conversas de esplanada sem hora para terminar.
Adeus, música das cigarras, sono embalado pelo ruído das ondas.
Adeus, fins de tarde à beira mar, pôr de sol a dois, a quatro, entre amigos.
Adeus, cheiro a protetor solar, pés na areia quente e na água fria do mar, corrida atrás das gaivotas, cesto de amoras acabadas de apanhar.
Adeus, sardinhas e pimentos assados, céu azul sem nuvens, castelos que se destroem com as ondas do mar.
Até para o ano!










sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Ele entrou e eu sorri

Há duas semanas que o David iniciou uma nova fase: o jardim de infância. Como só faz três anos em janeiro só nos restava a hipótese de um jardim privado (Quem me conhece sabe que sou uma defensora da escola pública, sem fundamentalismos, claro. Talvez um dia escreva sobre isto.). Até agora sempre que os pais iam trabalhar o David ficava aos cuidados dos avós, porque eles podiam e porque não existem melhores pessoas para cuidar dele. E passeou muito, foi ao parque, à praia, às compras, brincou no jardim e no quintal, ajudou o avô a apanhar as folhas do chão, apanhou frutos, comeu terra, brincou com os gatos, com o cão, com a tartaruga e até teve um grilo e um caracol de estimação (e dava-lhe beijinhos na carapaça). Em casa dos avós há uma tenda montada o ano inteiro, há guerra de almofadas e há mil e uma ferramentas para ele mexer na oficina do avô. Em casa dos avós há sobretudo muito amor e isso nem o colégio mais caro do mundo consegue igualar, foi por isso que até agora esteve lá. No entanto, não há outros meninos e meninas para brincar, só o Pedro, por isso, já estava na hora de iniciar uma nova fase. Felizmente a procura foi fácil, a diretora do infantário escolhido conquistou-me pela sinceridade, simplicidade, pela forma como falava dos "seus" meninos, e também porque entende que cada criança tem o seu ritmo de crescimento e por isso apesar de só fazer três anos em janeiro, não seria nada benéfico para o David estar na sala dos dois anos. Sendo assim, dia quatro lá fomos nós, e o David todo contente com a sua "mochila do micka". A educadora recebeu-nos, pediu-lhe um abraço que deu sem hesitar, não olhou para trás, não se despediu de mim. E eu sorri, porque sei que é o melhor para ele e por consequência o melhor para mim. Alguém me perguntou depois se eu tinha chorado. Chorar??!!! Porquê?! Fico é feliz por fazer novas amizades, novas brincadeiras... os filhos não são propriedade nossa. Agora, sempre que o vou buscar ele corre até mim e dá-me um abraço apertado, acho que não existe melhor resposta para a pergunta se está a gostar. Vejo-o cada vez mais feliz por ir para a "escoínha", fala cada vez mais e conseguimos que se deite mais cedo. Duas semanas e um balanço muito positivo!


domingo, 3 de setembro de 2017

O anjo da praia

Faz hoje dois anos que escrevi este texto, lembrou-me o Facebook. Em dois anos nada mudou...

Hoje vi uma foto tua que circula no facebook. O teu corpo sem vida está deitado no areal de uma praia qualquer do Mediterrâneo. Tão pequenino, tão indefeso, tão sem vida. Nesse momento o meu coração chorou. Queria entrar pela foto, queria tirar-te daquele sítio, pegar em ti a colo e abraçar-te, da mesma maneira que abraço um menino como tu. Mas é tarde de mais. Não sei nada sobre ti, não sei se viajavas sozinho ou com os teus papás, não sei a tua nacionalidade. Mas isso terá alguma importância? O que sei, o que vi; basta-me. Sei que és uma criança, que tens os teus sonhos e desejos como qualquer criança, e que não mereces terminar assim, sozinho no areal de uma praia qualquer.
O meu coração consegue imaginar o teu sofrimento e principalmente o teu medo. Sozinho, perdido num mar enorme, taciturno e frio. O meu coração acreditou, por breves momentos, que seria capaz de viajar no tempo e no espaço e trazer-te para o conforto do meu colo. O meu coração gelou porque descobriu que isso não seria possível. Então, o meu coração chorou porque o mundo nunca mais iria ver o teu olhar, ouvir as tuas gargalhadas e concretizar os teus sonhos. Tu que só querias viver feliz, como qualquer criança, viver em paz com os teus papás, jogar à bola, ir à escola e correr livremente.
O meu coração, que é mais dado à emoção, sabe que estás num lugar melhor, sabe que agora adormeces em paz e quentinho com o aconchego dos teus papás. O meu coração sabe que já não existe dor, nem medo, nem tristeza. O meu coração sabe que agora corres livremente pelo areal, feliz e sorridente. O meu coração sabe que agora és feliz como sempre devias ter sido.
E a minha Razão, tenta acreditar no meu coração.

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Sobre as férias..

A aventura de ir de férias com duas crianças tão pequenas começou antes de sair de casa, quando o senhor David foi à minha bolsa de maquiagem e resolveu experimentar tudo: protetor solar, base, batom e máscara de pestanas... em cima de uma coberta branca... resultado: atraso na partida,  limpar cara, mãos, pernas...e mudar a roupa que tinha guardado para o primeiro dia de férias, a combinar com o outfit do irmão... imaginava eu que iria tirar umas belas fotos...  Por fim lá fomos nós com o carro carregado de malas com roupa, malas com brinquedos, carrinho de passeio, uma mantinha porque o Pedro gosta de adormecer com ele e até o Mickey foi connosco! Claro que a meio da viagem tivemos que parar inesperadamente porque há alguém que consegue retirar o cinto de segurança da cadeirinha e enquanto a área de serviço mais próxima não aparecia, a mãe vai em PÂNICO na autoestrada.
Quem tem filhos pequenos sabe perfeitamente que as férias já não servem para descansar, mas para criar memórias.  O adormecer na praia foi substituído pela construção de castelos, ter grãos de areia na toalha também já não é problema, até porque há mais areia na toalha que espaço livre. Mas também há risos, abraços e beijos. Há pôr de sol a quatro e corridas atrás das gaivotas. A lancheira anda sempre atrás, assim como um interminável número de brinquedos. E o exercício físico que se faz? Senta, deita, levanta, corre atrás... pelo menos assim já não há peso na consciência a comer a bola de berlim. O David não queria sair da água (gelada, tenho que admitir) e o Pedro parecia um panado sempre que estava na praia.
Fomos de férias, e apesar de algumas birras e lutas de irmãos pelo meio, de terem vomitado dentro do carro e do pouco descanso foi muito bom. Sou uma apaixonada pela costa de prata, gosto de S. Martinho do Porto, Nazaré, S. Pedro de Moel e este ano experimentamos Paredes de Vitória. Adoro as estradas pelo meio do Pinhal de Leiria, encontrar algumas praias com pouca gente, o mar que cheira mesmo a mar, os restaurantes que servem boa comida e não a comida feita para turistas ingleses e alemães. Gosto da simpatia das pessoas e do seu sorriso fácil.
E dado os últimos acontecimentos (é impossível não pensar nisso) chegamos todos bem, com quilos de roupa para lavar, cansados, mas felizes. E é isso que iremos recordar.










quinta-feira, 10 de agosto de 2017

A Afurada

No meu primeiro dia de férias fomos a um sítio onde nunca tinha parado o carro. Passo muitas vezes na Afurada quando vou para a praia e já tinha parado o carro um pouco mais adiante para ir ao Marés Vivas, ou para ver a reserva natural, mas nunca tinha andado pelas ruas da Afurada. Impressionante como ainda existe uma povoação assim no meio de duas cidades. As ruas estreias, as casas sempre de porta aberta, as idosas sentadas a conversar e a ver quem passa, os miúdos a mergulhar no Douro. Os barcos dos pescadores (um chamava-se Pedro), a magnífica vista sobre o Porto, o rio e o mar. As ruas cheiravam a férias e a peixe grelhado. E as pessoas. Uma senhora ofereceu biscoitos ao David, e outra meteu conversa connosco e depois..."tenham cuidado com os meninos na praia","cuidado com a água, com o sol...".

Temos que lá voltar.

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

O humor das mães

Acho que só agora comecei a entender o mau humor de algumas mães. Quando tinha uns sete ou oito anos morava na minha rua um rapaz que tinha uma mãe muito mal humorada, achava eu. Isto porque perto das sete e meia da tarde começava-se a ouvir a senhora a gritar pelo nome do filho. A rua inteira ouvia: "Ohhhh, Diioooogoooo!!!" vezes sem conta, como se esta mãe tivesse um megafone. Mas, não! Tudo se devia às suas impressionantes cordas vocais, que nada ficavam a dever a um qualquer vocalista de uma banda de heavy metal. Então, eu tinha pena do Diogo, porque a senhora parecia estar sempre zangada. Agora, sou solidária para com a mãe porque não há coisa que irrite mais alguém do que ser ignorado.
Provavelmente já repararam que muitas mães são ou estão frequentemente mau humoradas. É que por vezes é difícil manter a sanidade mental. Como é que alguém consegue estar bem disposto se passa o dia inteiro a arrumar as coisas que outros desarrumam?
Ou, então, porque um resolveu fazer uma espécie de greve de fome; não come a sopa que sempre comeu, nem o prato principal e volta a repetir a façanha ao jantar e o outro passa metade do dia a chorar, a resmungar, a rabujar, só porque sim, porque lhe apetece. Há dias em que as mesmas gavetas da roupa são arrumadas de hora a hora, porque é divertido atirar para o chão a roupa acabada e engomar (já dei por mim a ameaçar que da próxima vez vestem a roupa toda amarrotada, mas para eles é indiferente). Há dias em que um corre para um lado, o outro corre para o outro e tu não corres para lado algum, um cai e bate com a cabeça no chão, outro esfola o joelho. Um resolve comer a pasta dos dentes, outro acha que é melhor atacar o protetor solar, um brinca com X, mas o outro que estava a brincar com Y acha que X é melhor e "rouba-o" e depois um "puxa puxa" de ambas as partes que termina em choro e gritos.
Há dias em que é mesmo difícil manter a sanidade mental e o bom humor, porque trepar os móveis é fixe, lamber o telemóvel e a televisão também, espalhar os brinquedos TODOS pela casa vezes sem conta, pintar as paredes, pendurar-se nas cortinas e por fim decorar os azulejos da cozinha com nestum. Já para não falar da parte em que é divertido lamber o congelador e ficar com a língua lá colada, ou colocar os dedos nas tomadas, arrancar a parte detrás dos porta retratos (não percebi ainda esta paranoia, mas o que é certo é que não tenho um único porta-retratos que esteja intacto), provar a comida do gato e tirar os livros da estante várias vezes por dia.
 Ainda não cheguei a essa parte, mas imagino que muitos digam "outra vez isto para o jantar?", ou, "Ainda não lavaste a minha camisola azul?".
Uma coisa é certa, prometo que não me vou pôr à varanda a gritar pelo nome deles, até porque hoje, infelizmente, já ninguém brinca na rua.

Agora, sempre que virem uma mãe mal humorada em vez de criticar o seu estado de espírito, perguntem apenas se precisa de ajuda. 😀😀😀 Se pudesse recuar no tempo iria buscar o Diogo por uma orelha
Imagem retirada de: http://librosquehayqueleer-laky.blogspot.pt/2017/02/respira-rebecca-respira-barbara-alves.html

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Isto de ser um número não é ser professor

Queridos David e Pedro;
Com o aproximar de um novo ano letivo, volta-se a falar do concurso de professores, da colocação (ou não) de professores e das queixas dos professores. Se não fosse professora acredito que também pensaria "lá estão estes outra vez a reclamar". Por vezes, de tanto falarmos de uma coisa ela torna-se banal. O que é que interessa se 1000 ou 10 000 ficam sem colocação? São números apenas. Eu também sou um número e esse número não diz absolutamente nada sobre mim, nem como pessoa, nem como profissional, é apenas um mero indicador de tempo de serviço misturado com uma classificação académica. 
Hoje em dia, em qualquer situação, as pessoas são números, e logo eu que sou alérgica à matemática também sou um número. O que muitas vezes nos esquecemos é que por detrás de um número existe uma pessoa, que tem família, amigos, cão, gato e piriquito talvez. No ano passado vi uma reportagem sobre professores deslocados. Sim, também já o fui, mas naquela altura da minha vida gostei, gostei de viver em outras cidades, conhecer novas realidades, novas pessoas. Quando se está a começar faz todo o sentido, sair do conforto da casa dos pais. E foi muito bom. A diferença é que nessa reportagem os intervenientes não tinham vinte e tal anos, tinham todos mais de trinta, quarenta talvez. Quase todas as histórias eram tocadas pela solidão, porque recomeçar todos os anos é difícil. Imaginem se tivessem de mudar de local de trabalho ano após ano, se tivessem de mudar de casa todos os anos, de cidade... uma colega nessa reportagem disse que a sua vida estava guardada em caixas e que a sua companhia era o cão. Fiquei triste por ela, e por todos os outros na mesma situação. E feliz por mim, por ter tomado a decisão certa, embora por vezes possa não parecer... "ah! se não tivesse recusado aquela renovação de contrato a 300 e tal kms de casa podia ter uma hipótese de vincular"... mas teria perdido vínculos mais importantes, momentos únicos que jamais se repetirão. As vossas primeiras palavras, os vossos primeiros passos, os vossos sorrisos, os vossos abraços... a vida não é para estar fechada dentro de caixas, nem para estar a 300 e tal kms (ou mais), nem para ser adiada. Ouvi tantas vezes: "quando tiver estabilidade faço isto, faço aquilo..." e se já for tarde demais? Somos milhares de professores, somos milhares de números, mas cada número representa sonhos adiados, alguns pais de fim de semana, projetos esquecidos, vidas dentro de caixas, horas de solidão. Vi colegas que todas as segundas deixavam os filhos para trás, outros iam, mas ficavam longe do pai, casais separados pela distância. 
Isto de ser um número não é ser professor, não é ser Humano. Um número não cria laços com as pessoas, com os alunos, com os colegas, com os funcionários. A escola não é (deveria ser) a nossa segunda casa? Em casa existem regras, mas também existem afetos e preocupações. Como em qualquer casa as pessoas que lá habitam têm personalidades diferentes, umas são mais perfeitas que outras, porque somos pessoas e não somos números. Já vos disse que a minha memória é alérgica a números? Por isso, o que ela retém destes anos de trabalho são as pequenas coisas que vão muito para além dos números e das taxas de (in)sucesso. Nessas taxas não aparece o T., aluno de um curso profissional, que não ligava a miníma às aulas de Português, mas que um dia quando abordei o 25 de abril na aula foi o mais interessado e participativo (sejamos honestos se eu tivesse trabalhado a noite inteira para ajudar a minha mãe a criar os meus irmãos também não queria saber do Português para nada). Nesses números também não aparece o R. que disse violentamente que me cortava o pescoço (e naquele momento desejei que o teletransporte fosse uma realidade), mas que era o primeiro a ajudar os colegas de cadeiras de rodas nos dias de chuva. O números não falam da A. e do seu sorriso contagiante que afinal escondia uma história obscura de abusos; nem da F. que passava os dias na paragem do autocarro em frente à escola, ou do J. que após a separação dos pais tinha sido "depositado" em casa dos avós, porque os progenitores (atenção que não escrevi "pais") tinham formado novas famílias, com novos filhos... como será que está o J. agora? Ele que no meio disto tudo foi o menos culpado e o mais prejudicado. E o M.? Que após alguns recados na caderneta devido a mau comportamento, recebo uma mensagem do pai que dizia para não me preocupar porque o futuro do filho já estava traçado: a prisão!  Os números não sabem que há miúdos que só comem na escola, sim já todos ouvimos isto, mas passa sempre ao lado porque nunca vimos. Até o dia em que vamos parar a uma escola (quase) no meio do nada... e vemos a vontade com que um rapaz come um prato de arroz e depois o segundo e o terceiro... 
E também há os que só têm a oportunidade de tomar banho na escola, e os que não sabem as regras básicas de higiene ou como se comportar em sociedade porque nunca lhes foi ensinado. Gostava de ver um número a ensinar isso, em 45 minutos semanais, a um  rapaz que passava o tempo todo da aula com a cabeça enfiada dentro da camisola... ou aos outros dois miúdos que preferiam contar-me como assaltavam carros, roubavam motas e compravam droga. Os números não apoiam as mães adolescentes, nem identificam as depressões, os desaparecimentos, as auto mutilações, o abandono, nem confortam quando um familiar próximo está doente, não dão esperança.
E porque um número é e será sempre apenas um algarismo, nunca saberá o que é cumplicidade. Um número nunca interromperia uma aula para falar sobre a morte e a vida porque nunca entenderia que naquele momento era mais importante para a turma falar sobre o colega que morrera do que cumprir o programa. Se eu fosse um número a minha colega Liliana não teria andado mais 10km durante um mês para me dar boleia, nem a Elisabete me teria apoiado quando me aventurei numa nova disciplina, nem as colegas da ES Mem Martins teriam trocado aulas comigo para que eu "fosse de fim de semana" mais cedo. Não teria partilhado bons momentos com os colegas da ES D. Dinis e do AE de Aljezur, momentos que fizeram com que não sentisse a tal solidão de chegar a um sítio e não conhecer absolutamente ninguém. A D. Rosa nunca me teria embrulhado as sandes em papel de alumínio para ser mais fácil de transportar no comboio (a viagem de Lisboa até ao Porto ainda era grande), a D. Antónia nunca saberia que gosto de tomar pela manhã meia de leite e pão com fiambre, a D. Ana nunca me teria guardado a pen vermelha que deixo sempre no computador da sala, a D. Maria nunca me teria fotocopiado as fichas em cima da hora.
Isto de ser um número não é ser professor porque se assim fosse a M. e o S. nunca me teriam escrito aquelas bonitas palavras, no final de um certo ano letivo, que me fizeram chorar (em privado) de emoção, nem teria escutado "obrigado por não desistir de nós", nem me teriam deixado fatias de bolo e flores em cima da secretária. Os números não comem bolos, nem cheiram flores, não sabem o que perdem!

                                                                                                                                                                   Foto: Um dia de sonho