quarta-feira, 8 de março de 2017

À Mulher

Esta publicação é dedicada àquela mulher de quem os media nunca se lembra, até no dia que se diz de todas as mulheres. À mulher que não teve a oportunidade de estudar, sabe ler, sabe escrever (mal), sabe pouco de geografia, história, ciências ou literatura. A política pouco ou nada lhe diz e nunca lutou por causa alguma.
 Mulher esquecida. Nunca aparece nos telejornais, nem nas revistas. Mulher que que não tem uma carreira de sucesso, que nunca teve oportunidades na vida. Mulher que acorda às cinco ou seis da manhã, deixa os filhos na creche, na escola, viaja uma, duas horas em transportes públicos a fervilhar. Mulher que limpa o que os outros sujam, mulher invisível, ignorada, às vezes humilhada até por outras mulheres. Mulher que sai de um emprego para outro, porque o salário é pequeno, os filhos crescem exigem muito.  Mulher que chega a casa e continua a limpar, a lavar, a passar, a cozinhar, e só muito tarde, já exusta, se vai deitar.
Pode ter trintas, mas aparenta quarenta ou cinquenta, o sorriso já está gasto, não há dinheiro para cremes e cabeleireiro só em promoção, uma roupa da Zara é um luxo! Se pelo menos se sentisse amada! Os filhos procuram-na quando querem uma sapatilhas de marca ou um telemóvel novo, o marido ignora-a a maioria das vezes, primeiro está o futebol, depois o sofá, em seguida a cerveja com os amigos e só depois aparece a mulher na sua lista de prioridades. 
Mas esta mulher não desiste, continua a sonhar, enquanto vê a novela e descasca as batatas para o jantar! 

PS. Puramente ficcional, que ninguém se ofenda se se identificar com a descrição ou parte dela, muito menos com a profissão que referi em cima ( empregada de limpeza) é muito nobre e as empregadas de limpezas também cuidam da sua aparência! :) Lembrei-me disto enquanto almoçava num centro comercial porque reparei que ninguém olha para as senhoras que estão a limpar as mesas. As outras coisas fui captando por aí...

domingo, 5 de março de 2017

A Avó

Quando nos deixaste ninguém me disse que te tinhas transfomado numa estrelinha a brilhar no céu. Tinha sete anos e apesar de saber que todas as pessoas iriam morrer um dia, não conseguia entender a tua morte. Nunca mais te ia ver? Nunca mais te ia tocar? Para onde ias? Toda gente vai para algum lado! Não fiquei triste, nem chorei, porque para mim continuavas a ser a minha avó. Passado um tempo já não conseguia lembrar-me perfeitamente do teu rosto, já me esquecera do tom da tua voz, e sentia-me culpada por isso (felizmente existem fotografias). 
Não sei se é por teres partido quando era muito nova, se por inflência da minha mãe, cresci com uma imagem idealizada de ti. Tu que eras analfabeta, mas carregavas na rugas da cara e nos cabelos brancos muita sabedoria. Dizem que toda a gente gostava de ti e que eras boa pessoa, daquelas que raramente se encontram. Nasceste, cresceste e viveste naquela aldeia escura e sombria, distante de tudo e todos, nem o Ditador devia saber da existência dessa aldeia. Também dizem que partilhavas com os mais pobres, e deviam ser muitos, o interior de Portugal das décadas de 40, 50 e 60 era miserável. Disto tudo eu não me lembro, quando nasci os tempos já eram outros, mas recordo-me perfeitamente de pequenos momentos, talvez sem a importância da tua generosidade e bondade, mas que fizeram com que permanecesses sempre viva dentro do baú do meu coração. 
Lembro-me de ir contigo à mercearia da aldeia e da forma como tratavas e te preocupavas com os animais. Contaram-me que te recusavas a comer qualquer animal que tivesse sido criado por ti.
Lembro-me do sabor do teu arroz de forno amarelo (só mais tarde descobri que essa cor se devia ao açafrão), sabes que nunca mais voltei a comer um arroz com aquele sabor, talvez porque o tempero esteja mesmo dentro do coração de quem o prepara. 
Lembro-me de ti nas vindimas e na Páscoa...e da árvore de natal que fizeste uma vez em cima do frigorífico, tinha eu três anos... não me lembro de mais nada desse Natal, apenas que a árvore e o teu sorriso eram as únicas coisas que brilhavam naquela aldeia escura.